Em acórdão (9101-006.087 – CSRF / 1a Turma) publicado em 09 de maio de 2022, a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (“CSRF”) do CARF decidiu, com voto de desempate à favor do contribuinte, controvérsia acerca de autuação lavrada pela Receita Federal para exigência da diferença, a título de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”), decorrente da aplicação do coeficiente de 32% para determinação do lucro presumido (artigo 519, inciso III, alínea “c” do RIR/99), uma vez que considerado indevido o percentual de 12% utilizado pelo sujeito passivo, a título de “comércio varejista de livros”, tratando-se de uma sociedade franqueadora, que estruturou sua operação combinando, em seu contrato de franquia, a cessão de direito de uso de metodologia com o fornecimento de materiais.
Segundo a fiscalização, “o contribuinte é um franqueador de método de ensino de idiomas e por trás da operação de ‘venda de material didático’ o que ocorre, na verdade é a transferência (que o fiscalizado procura disfarçar) dos direitos referentes ao seu método de ensino.”
Foi submetido à CSRF, pela Fazenda Nacional, recurso em que suscita divergência jurisprudencial com relação a duas matérias: (i) percentual de presunção de lucro aplicável a receitas decorrentes de atividades previstas em contrato de franquia; e (ii) multa qualificada no percentual de 150%, pela suposta caracterização de fraude e simulação, em caso de declaração reiterada de tributos em valores menores que os efetivamente devidos.
O mencionado recurso teve seguimento para a primeira matéria, tendo sido negado seguimento à matéria da multa qualificada, em virtude de os paradigmas apresentados terem tratado de contextos fáticos diversos. O voto condutor do acórdão recorrido (9101-006.087) observou que os mesmos fatos já foram apreciados no processo 10830.006552/2006-14, relativo ao IRPJ dos anos de 2000 a 2005, tendo o lançamento sido cancelado pelo CARF (acórdão nº 1201-00.011), com a decisão confirmada pela CSRF (acórdão nº 9101-001.660), estando à época pendente a análise de embargos de declaração.
Diante disso, a decisão recorrida basicamente adota as razões de decidir de tais precedentes, citando nos trechos de ambos, e incluindo em notas de rodapé as referências à CSLL e a páginas dos autos. O acórdão 1201-00.011, citado, analisou os contratos firmados e concluiu pela regularidade da forma de contratação adotada pela Recorrente, validando a tributação segregada entre as atividades de comércio (cerca de 90% das receitas) e de franquia.
Após análise dos casos mencionados, foi exarado entendimento no seguinte sentido (i) os documentos societários do contribuinte autorizam a prática tanto da atividade de franquia quanto da atividade de comércio de livros e outros materiais, (ii) no exercício de cada uma dessas atividades, o sujeito passivo observou os ditames legais aplicáveis, tanto quanto às exigências postas pela legislação do franchising vigente à época (Lei 8.955/1994), quanto com relação às operações de comercialização, havendo inclusive emissão de Notas Fiscais.
Para o Relator, ambas as atividades são lícitas e, portanto, podem estar contempladas no seu objeto social, sem que deixem de ter suas respectivas identidades. Em outras palavras, ao efetuar uma compra e venda de material didático, ainda que em atendimento a uma cláusula de seu contrato de franquia – como na hipótese, a Recorrente pratica uma genuína operação mercantil, regulada pelo artigo 481 do Código Civil, cabendo-lhe tratamento jurídico inclusive tributário próprio.
Especificamente no tocante às regras tributárias aplicáveis, por fim, tem-se que o artigo 519 do RIR/99, ao disciplinar sobre o lucro presumido, prevê em seu §3º que “no caso de atividades diversificadas, será aplicado o percentual correspondente a cada atividade“. Nesses termos, para o Conselheiro, a legislação é clara ao contemplar a possibilidade de que uma mesma pessoa jurídica tenha objetivos sociais diversos, hipótese em que cada uma dessas atividades deverá se submeter ao percentual específico para apuração da base de cálculo do lucro presumido, na havendo, portanto, qualquer ilegalidade no procedimento adotado. Assinalou, ainda, que é insustentável que a atividade da sociedade seja caracterizada, isoladamente, como prestação de serviços, intermediação de negócios ou cessão de bens, posto que o contrato de franquia pressupõe um plexo de obrigações. Logo, concluiu que não há outra opção sendo se entender que ela pratica diversas e diferenciadas atividades e que, portanto, há de se observar, necessariamente, a segregação das receitas para fins fiscais.
Em síntese, portanto, temos que, em regra, havendo a identificação das atividades e sendo cobrados valores específicos por cada uma delas, é de se aplicar o percentual de presunção aplicável a cada atividade, nos termos do artigo 15, par. 2º da Lei 9.249/1995 (art. 519, par. 3º, do RIR/99), mesmo diante de um contrato complexo como o de franquia (complexo no sentido de que envolve prestações de natureza diversas). A descaracterização da natureza das receitas individualmente consideradas e a consequente tributação da totalidade dos recebimentos sendo receitas de “cessão de direitos” dependeria de prova de artificialidade, o que não ocorreu nos presentes autos.