Rodrigo Valle
Inicia-se o presente artigo com a premissa de que os contratos criam lei entre as partes e, sendo assim, existem para serem respeitados em sua integralidade.
Na forma comum de se dizer: “o combinado não sai caro”. Com efeito, esta análise não pretende trazer argumentos que fomentem o descumprimento contratual, antes pelo contrário, almeja uma abordagem prática, que permita, às partes contratantes, a manutenção da relação contratual de forma equilibrada, com fundamento na boa-fé objetiva e no dever de lealdade e cooperação, preservando uma relação ganha-ganha. Dito isso, vejamos. É público e absolutamente notório que a coletividade vivencia situação de elevados desafios. Muitas sociedades empresárias interromperam suas atividades, outras estão batalhando e se adaptando ao regime home office, com seus desafios particulares, tais como a gestão remota de pessoas. Certo é que o cenário acima gera uma redução das receitas, podendo ensejar, em último caso, uma dificuldade no cumprimento das obrigações continuadas previamente contratadas, tornado-as excessivamente onerosas. Com efeito, resta a pergunta: qual o impacto jurídico/contratual dessa situação? Pois bem, há no direito civil, precisamente quando se fala em contratos, o instituto da “Resolução Contratual por Onerosidade Excessiva”, o qual, doravante, será denominado simplesmente de “Onerosidade Excessiva”. Em apertada síntese, referido instituto possui os seguintes pressupostos: (i) Natureza do contrato. Aplica-se aos contratos de execução continuada, tais como o contrato de locação, prestação de serviços, ou execução diferida, tais como a contratação de um buffet, decoração, para execução futura de evento festivo; (ii) Onerosidade excessiva decorrente de fato superveniente extraordinário. Neste ponto é de rigor afirmar que não é qualquer onerosidade excessiva que enseja a aplicação da resolução. Contratar é uma atividade de risco, sendo certo que simples oscilações contextuais, causadoras de onerosidade, ainda que excessivas, fazem parte do dia a dia dos contratantes; A onerosidade excessiva para fins de aplicação da resolução contratual deve ser decorrente de fato extraordinário, não coberto pelos riscos do próprio contrato. “Há um gravame no cumprimento que, por sua relevância, vai muito além da exigência do razoável. O risco impróprio é o rompimento grave da equivalência. Em função da alteração das circunstâncias, um dos contratantes é conduzido ao “limite do sacrifício” (Rosenvald, Nelson, pag. 610, vol. 4, 2016); (iii) Imprevisibilidade objetiva. Refere-se a acontecimentos anormais, ou seja, que não são usuais, habituais; e (iv) Extrema vantagem para a outra parte. Quanto a este pressuposto, compartilha-se do entendimento exarado no Enunciado 365, do Conselho Nacional de Justiça, qual seja: “A extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada como elemento acidental da alteração das circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena.” Em síntese, o item “iv” deve ser compreendido da seguinte forma: “…mesmo que não seja plenamente demonstrado o benefício econômico do contratante pela ruína da outra parte, será legítimo o ingresso do prejudicado perante o judiciário para exigir a resolução do contrato” (Rosenvald, Nelson, pag. 612, vol. 4, 2016). Pois bem, presentes o pressupostos acima enumerados, como consequência, pode uma das partes contratantes, que se entenda sujeita à onerosidade excessiva, pleitear a resolução do contrato, com a sua liberação das obrigações contratuais. É possível, também, evitar a resolução, quando a outra parte oferece uma modificação do contrato, apta a restabelecer o equilíbrio contratual, sendo essa solução negocial sempre a melhor medida a ser adotada, porquanto permite a manutenção do vínculo e a geração de negócios para todos, em verdadeira relação ganha-ganha. Dito isso, e considerando o contexto atual de pandemia, já reconhecido como de calamidade pública, é possível, em tese, falar em aplicação da Onerosidade Excessiva, resultando na resolução do contrato, ou, no melhor cenário, na renegociação contratual. Dessa forma, é de rigor concluir que as partes contratantes deverão buscar o melhor cenário, apresentando abertura e flexibilidade para dialogar, lembrando que a cooperação, além de ser dever decorrente da boa-fé objetiva, é medida de senso comum e fundamental para a superação do presente momento de desafios intensos.