CVM manifesta sobre distribuição de dividendos intercalares  

Na última semana, dia 23.05.2023, o Colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) em resposta à consulta encaminhada pela Superintendência de Relações com Empresas (“SEP”), na forma do art. 4°, §8°, da Resolução CVM n.º 45/2021, manifestou-se favoravelmente, por maioria, no sentido de se permitir à distribuição de dividendos em períodos menores do que um semestre, independentemente da existência das reservas de capital, quando a companhia possuir lucros referentes a períodos anteriores suficientes a assegurar a intangibilidade do capital social.

O caso refere-se a interpretação do §1º do art. 204 da Lei nº 6.404/76 (“LSA”), que dispõe: 

Art. 204. A companhia que, por força de lei ou de disposição estatutária, levantar balanço semestral, poderá declarar, por deliberação dos órgãos de administração, se autorizados pelo estatuto, dividendo à conta do lucro apurado nesse balanço. § 1º A companhia poderá, nos termos de disposição estatutária, levantar balanço e distribuir dividendos em períodos menores, desde que o total dos dividendos pagos em cada semestre do exercício social não exceda o montante das reservas de capital de que trata o § 1º do artigo 182. § 2º  […]

Referido dispositivo disciplina os dividendos intercalares, que são pagos, sem prévia autorização do balanço pela assembleia geral, à conta de lucro do período de apuração inferior ao semestre, atendidas as regras da lei societária. Consoante disposto na LSA, para distribuição de tais dividendos, mediante deliberação dos órgãos de administração, é necessário haver (i) lucro; (ii) elaboração de balanço referente ao período em que está distribuído tal lucro; e (iii) expressa previsão no estatuto social da companhia. 

No que tange ao tema da discussão, ao dispor que o total dos dividendos intercalares não poderá exceder o montante das “reservas de capital”, o legislador buscou compatibilizar a dinâmica e importância do mercado de capitais (e de tal distribuição para o seu desenvolvimento, na medida em que permite o aumento da rentabilidade das ações e sua consequente competitividade frente a títulos públicos e de renda fixa) com a garantia da integralidade do capital social, de modo a impedir a transferência de bens do ativo social da companhia para o patrimônio pessoal dos acionistas em montante em que o valor do capital social se torne maior que o patrimônio líquido da sociedade, colocando em xeque a solvência da pessoa jurídica. 

Conforme ressaltou o diretor Otto Lobo, “a companhia não pode distribuir dividendos enquanto apresentar prejuízos acumulados de exercícios anteriores, em violação à preservação e expansão da atividade empresarial e aos interesses dos [seus] credores”, porém, não alcançando o capital social, permite-se tal distribuição de dividendos, “tendo em vista que o art. 189, parágrafo único, da Lei das S.A. prevê uma regra de compensação “ex lege” pois “o prejuízo do exercício será obrigatoriamente absorvido pelos lucros acumulados, pelas reservas de lucros e pela reserva legal, nessa ordem”. 

No mesmo sentido, para Diretora Flávia Perligeiro, o legislador estabeleceu, no referido art. 204, requisitos legais a serem observados a fim de que lucros possam ser distribuídos para os acionistas antes de apurado o resultado do exercício social. Pontuou que, na sistemática erigida por lei, quando o lucro é apurado em balanço de periodicidade inferior à semestral (em que se trata de resultado ainda em formação), não basta haver lucro apurado em tal balanço, tendo a LSA exigido proteção adicional, qual seja, que o dividendo intercalar distribuído não exceda o montante da reserva de capital. Conforme seu voto, “embora o legislador pudesse ter também se referido, no §1º do art. 204, ao montante das reservas de lucros existentes (ou, ao menos, de algumas delas), fato é que não o fez, tendo conferido tratamento distinto aos “lucros maduros” retidos no patrimônio da sociedade para atender às finalidades específicas que respaldaram a constituição de reservas de lucro”. 

Art. 204. A companhia que, por força de lei ou de disposição estatutária, levantar balanço semestral, poderá declarar, por deliberação dos órgãos de administração, se autorizados pelo estatuto, dividendo à conta do lucro apurado nesse balanço. § 1º A companhia poderá, nos termos de disposição estatutária, levantar balanço e distribuir dividendos em períodos menores, desde que o total dos dividendos pagos em cada semestre do exercício social não exceda o montante das reservas de capital de que trata o § 1º do artigo 182. § 2º O estatuto poderá autorizar os órgãos de administração a declarar dividendos intermediários, à conta de lucros acumulados ou de reservas de lucros existentes no último balanço anual ou semestral.