No seu 5º Ementário de Jurisprudências, a Câmara de Arbitragem do Mercado (“CAM”), oficialmente utilizada pelas organizações sujeitas à regulação da B3, divulgou entendimento em que, em uma operação de compra e venda de participação societária, inadmitiu-se a redução do preço de aquisição fixado entre as partes, em razão de passivos posteriormente identificados pela compradora com relação à target, os quais não haviam sido identificados na auditoria realizada até o momento da operação.
Na espécie, a adquirente pretendeu reter parte do valor pactuado em contrapartida à transferência das quotas, sendo que, para os jurados, mesmo havendo cláusula no contrato definitivo (“QPA”) “determinando a responsabilidade do vendedor por ‘todas e quaisquer dívidas, de qualquer natureza’”, esta “deve ser interpretada de acordo com os instrumentos contratuais celebrados, bem como avaliando todas as circunstâncias negociais aventadas, além da intenção das partes ao redigi-la”
Assim, firmou-se entendimento de que atribuir a obrigação de indenizar os ex-titulares da pessoa jurídica objeto do QPA pela integralidade das perdas “ocorridas antes da celebração do contrato definitivo, implicaria desprezar o equilíbrio econômico ajustado” e o princípio da boa-fé objetiva.
Foi feito um recorte material, sinalizando que as contingência materializadas e apuradas em due diligence deveriam ter sido levadas em consideração para fixação do preço inicial, e que, para aquelas ocultas, não se justifica a simples atribuição aos vendedores com o abatimento/retenção dos valores que lhes são devidos, devendo-se, primeiro, conceder prazo para defesa administrativa e judicial.
Trata-se de ponto delicado analisado, que cria um precedente no mercado de fusões e aquisições de empresas, em que as cláusulas de exclusão e limitação de indenização podem ser entendidas como convenções por meio das quais as partes estabelecem previamente que, de forma unilateral ou bilateral, estará exonerada do dever de pagar indenização uma a outra ou então que a referida indenização será limitada em determinadas circunstâncias.
De fato, a obrigação de indenizar é uma cláusula que deve ser negociada e interpretada em conjunto com a cláusula de preço de aquisição e com a cláusula de declarações e garantias, pois elas, em conjunto, delimitam a extensão da responsabilidade do vendedor por atos e fatos ocorridos previamente ao fechamento. É importante destacar que não há, no ordenamento jurídico brasileiro, nenhuma regra que vede a previsão de cláusulas de exclusão e limitação de indenização, ainda que elas estejam sujeitas a alguns limites. Tais dispositivos representam uma exceção a um regime geral de responsabilidade civil, negociada entre as partes no contexto de uma relação jurídica, como instrumento de alocação de riscos (ou, como referido por José de Aguiar Dias, como uma “convenção para atribuição ou aceitação de risco”).
Os fundamentos tradicionalmente citados, pela doutrina e pela jurisprudência, para sua admissão no ordenamento jurídico brasileiro são o princípio da autonomia da vontade, a liberdade de contratar e a força cogente das obrigações convencionais.
Além da indenização genérica por violação de obrigação contratual, os contratos também costumam prever duas hipóteses específicas de indenização: indenização por perdas decorrentes de violação ou imprecisão de declarações e garantias, bem como indenização por perdas decorrentes de atos, fatos e omissões referentes a passivos ou contingências com fato gerador anterior ao fechamento da operação.
Focando no segundo caso, objeto da análise pela CAM, tem-se como um verdadeiro mecanismo essencial na fase ainda de negociações preliminares, para mensurar o nível de risco que as partes estão dispostas a assumir e um dos incentivos para o compartilhamento de informações que é base para determinação das declarações e garantias e para a divisão de responsabilidades pré e pós fechamento. Daí a importância da decisão, que pode gerar certo grau de insegurança jurídica nesse tipo de transação.