A Lei Complementar (“LC”) nº 190, que alterou a LC nº 87/1996, regulamenta a cobrança do diferencial de alíquotas do ICMS nas operações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto (“ICMS DIFAL”).
Antes de adentrar nas novidades trazidas pela LC nº 190, é importante esclarecer, brevemente, o contexto por trás da sua edição.
Como se sabe, o ICMS é um imposto de competência dos Estados e do Distrito Federal. Em sua redação original, a CF/88 estabelecia que, nas operações interestaduais destinadas a consumidor final, quando o destinatário não fosse contribuinte do imposto, o ICMS caberia integralmente ao Estado de origem da operação. Situação distinta ocorria quando os destinatários fossem contribuintes do imposto, hipótese em que o ICMS seria dividido entre o Estado de origem e de destino, cabendo ao primeiro o valor correspondente à aplicação da alíquota interestadual e, ao segundo, o montante relativo à diferença entre a sua alíquota interna e a alíquota interestadual (“ICMS DIFAL”).
Com as finalidades de reequilibrar a distribuição arrecadatória do ICMS entre os Estados de origem e de destino e de atualizar o imposto à luz dos avanços do comércio eletrônico, foi editada a Emenda Constitucional nº 87/2015, que estendeu a sistemática do ICMS DIFAL para as operações interestaduais destinadas ao consumidor final não contribuinte do imposto.
Na ânsia de implementar o novo modelo inaugurado pela EC nº 87/2015, os Estados firmaram o Convênio Confaz nº 93/2015 e editaram leis internas, a despeito da ausência da Lei Complementar que estipulasse as regras gerais dessa nova forma de cobrança, exigida pelo art. 146, III, da CF/88.
Essa postura dos Estados gerou um amplo contencioso, o qual foi solucionado pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”) no julgamento do RE nº 1.287.019, em fevereiro de 2021. Na sua decisão, o STF, por um lado, acolheu a argumentação dos contribuintes e declarou a inconstitucionalidade da cobrança do ICMS DIFAL nas operações destinadas a consumidores finais não contribuintes do imposto sem prévia regulamentação em Lei Complementar. Por outro, com o objetivo de diminuir os impactos nas finanças estaduais, o Tribunal estabeleceu que a declaração de inconstitucionalidade começaria a produzir efeitos a partir do exercício financeiro seguinte à conclusão do julgamento (ou seja, em 2022), ressalvadas as situações dos contribuintes que já haviam ajuizado ações contrárias à cobrança até a data do julgamento.
Em termos práticos, por meio dessa modulação, o STF buscou conferir tempo hábil para que o Poder Legislativo editasse, ainda em 2021, a Lei Complementar exigida pela CF/88 e, assim, viabilizasse a cobrança do novo ICMS DIFAL a partir de 2022.
Foi nesse contexto que se deu a edição da LC nº 190/2022, que fixou as regras gerais para a aplicação da sistemática inaugurada pela EC nº 87/2015.
Há, contudo, um ponto de atenção em relação à produção de efeitos da LC nº 190/2022. Isso porque a sua publicação ocorreu apenas em 05.01.2022, cinco dias após o início do exercício financeiro de 2022. Essa morosidade na publicação vem gerando discussões sobre o momento em que será permitido aos Estados exigirem o ICMS DIFAL nas operações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto, sobretudo em função dos princípios constitucionais da anterioridade anual e nonagesimal.
Segundo alguns representantes dos Estados, a cobrança do ICMS DIFAL na hipótese regulamentada pela LC nº 190/2022 deve se iniciar em 2022, ao argumento de que não houve a criação ou um aumento do tributo e, por essa razão, os princípios da anterioridade seriam inaplicáveis.
Ocorre que a cobrança do ICMS DIFAL nas operações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto no ano de 2022 é inconstitucional, por pelo menos dois motivos: primeiro, porque a LC nº 190/2022 faz parte do fluxo normativo para a instituição do ICMS pelo Estado de destino nas operações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto, uma vez que, antes dessa norma, esse tipo de operação não era fato gerador de imposto devido ao Estado de destino; segundo, porque a própria LC nº 190/2022 prevê que as suas regras se submetem à anterioridade anual da alínea “b” do inciso III do art. 150 da CF/88.
Portanto, os contribuintes devem ficar atentos para tomar as medidas cabíveis para se prevenirem da indevida exigência do ICMS DIFAL em 2022.
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