STJ decide que acionistas da JBS S.A não podem pleitear indenização por danos antes de deliberação pela assembleia da Companhia

Na última semana, dia 22/06/2022, foi publicado acórdão do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), no Conflito de Competência (“CC”) nº 185.702, de autoria daJBS S.A., em que se aponta como suscitados os Tribunais Arbitrais dos Procedimentos nº 186/2021 (“PA 186”) – movido pela pessoa jurídica – e nºs 93/2017 e 110/2018 (“PAs 93-110”) – movidos por “Acionistas Minoritários”- , ambos em trâmite perante a Câmara de Arbitragem do Mercado (“CAM”), “relacionados à tentativa de responsabilização civil de seus controladores, por condutas ilícitas confessadas em acordo de colaboração premiada e de leniência celebrado com o Ministério Público Federal, que teriam causados prejuízos à Companhia.

De forma unânime, os ministros entenderam que a ação social de reparação de danos à sociedade, causada por atos ilícitos de seus administradores e controladores, deverá ser, em regra, proposta pela sociedade, titular do direito lesado, cabendo aos acionistas o direito de fazê-lo apenas em caso de omissão, em exercício de legitimidade extraordinária.

Com efeito, constatou a Corte que a Lei nº 6.404/1976 (Lei das S/A) tratou de forma pormenorizada a respeito da responsabilização dos administradores, em seu art. 159, o qual comporta aplicação extensiva à responsabilização dos controladores, prevista no art. 246, ainda que se possa estabelecer algum temperamento, considerada as suas particularidades e finalidades.

Sobre isso, o art. 159 da Lei das S/A preceituou competir à companhia, mediante prévia deliberação assemblear, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio (ação social ut universi). Já seu § 3º autoriza qualquer acionista a promovê-la, se, após a autorização da assembleia-geral extraordinária (“AGE”), a medida jurídica não for proposta no prazo de 3 (três) meses contados da deliberação (ação social ut singuli). Por sua vez, o § 4º dispõe que, ainda que a AGE vote pela sua não propositura, a ação poderá ser manejada por acionistas que representem 5% (cinco por cento), pelo menos, do capital social. Nessa última hipótese, em se tratando de responsabilidade do controlador, seria dado também a qualquer acionista, com base no § 1º, a, do art. 246, ajuíza-la, desde que preste caução pelas custas e honorários de advogado.

No caso dos autos, os Acionistas Minoritários acionaram a CAM anteriormente a matéria ser levada à decisão pelo órgão colegiado da sociedade, o que somente veio a ocorrer em outubro de 2021. Na sequência, em dezembro, a JBS S.A, ingressou com o PA 186, em que requereu, em caráter preliminar, o reconhecimento de sua titularidade sobre o direito postulado, e que as decisões a serem proferidas nesse procedimento arbitral façam coisa julgada sobre a pretensão de indenizar e vincularão indistintamente todos os seus acionistas. Ademais, pleiteou no bojo dos PAs 93-110, na qualidade de interveniente, e de efetiva beneficiária dos pleitos ali deduzidos, a sua imediata extinção, sem julgamento de mérito, ante a perda superveniente do interesse de agir.

Em paralelo, os Acionistas Minoritários apresentaram, perante a Presidência da CAM, requerimento de anulação do PA 186, justamente em razão da existência dos PAs 93-110, argumentando que estes são anteriores aquele e, subsidiariamente, de ingresso no outro feito na qualidade de assistentes litisconsorciais.

Reconhecida a incompetência da Presidência a esse propósito, a matéria foi enfrentada por ambos os Tribunais Arbitrais, decidindo em sentidos absolutamente inversos.

De fato, o Tribunal Arbitral dos Procedimentos Arbitrais ns. 93/2017 e 110/2018 indeferiu o pedido efetuado pela JBS de extinção dos feitos, reconhecendo, pois, inexistir prevalência do Procedimento CAM n. 186/21 sobre aqueles; inexistir perda superveniente de legitimidade extraordinária ou do interesse de agir dos acionistas minoritários em virtude da instauração do Procedimento CAM n. 186/21; bem como estabelecer a sujeição da JBS aos efeitos da coisa julgada formada nas arbitragens 93-110 das quais não foi parte, devido à atuação dos seus substitutos processuais.

Já o Tribunal Arbitral do Procedimento Arbitral n. 186/2021 reconheceu a prevalência deste procedimento sobre os Procedimentos Arbitrais ns. 93/2017 e 110/2018, sobretudo ante o exercício da legitimidade ordinária da companhia que somente pôde atuar após a deliberação assemblear, não havendo se falar em inércia de sua parte, sendo certo que a vindoura sentença arbitral produzirá os efeitos da coisa julgada, sobretudo quanto à pretensão indenizatória, vinculando a Companhia, seus acionistas, ex-administradores e a sociedade controladora, devendo ser respeitada quanto aos seus limites subjetivos e objetivos.

Foi assim que a JBS S.A., entendendo pela configuração do conflito de competência, postulou a suspensão dos PAs dos Acionistas Minoritários. A questão posta guarda contornos absolutamente inéditos na jurisprudência do STJ, que já havia estabelecido, após o leading case CC nº 111.230/DF, o caráter jurisdicional da arbitragem, julgando ser possível a existência de conflito de competência entre juízo estatal e câmara arbitral, a ser por ele dirimido, em atenção à função constitucional que lhe é atribuída no art. 105, I, “d”, da Carta Magna. Na espécie, há a particularidade de os Tribunais Arbitrais suscitados serem vinculados à mesma Câmara de Arbitragem – a qual  apenas administra o procedimento, sem poder para solucionar eventual impasse criado entre eles.

Como afirmou o Relator, em decisão monocrática de admissibilidade da matéria, proferida em maio deste ano, idealmente, a solução haveria de ser disciplinada pelo Regulamento da CAM, o qual, ao ser eleito pelas partes para dirimir seu conflito de interesses, atenderia, naturalmente, ao princípio da autonomia de vontades, norteador de toda e qualquer arbitragem. Todavia, na específica hipótese do CC, ora em comento, ele é omisso. 

À época, sem adentrar ao mérito, mas, contudo, feitas suas ponderações sobre o litígio in judice, entendeu o Magistrado que, a despeito de não compor organicamente o Poder Judiciário, o Tribunal Arbitral deve ser compreendido na expressão “quaisquer tribunais” a que a norma constitucional em questão se refere, sobretudo, porque, tal como o Judiciário, este resolve o conflito de interesses em definitivo, com aplicação da ordem jurídica.

Agora, pôs-se fim à lide, restando consignado que a ação social de responsabilidade, ainda que passível de ser exercida individualmente (nas condições estabelecidas na lei), somente poderá se dar, pelos acionistas, no exercício de legitimidade extraordinária subsidiária, após a configuração inércia da companhia, que possui legitimidade ordinária e prioritária no seu ajuizamento.

A questão, como demonstrado no voto condutor, reside na impossibilidade de a companhia exercer diretamente seu direito de ação, a despeito de adotar todas as providências necessárias a esse propósito, especialmente no âmbito da arbitragem, em que a escolha dos árbitros é direito fundamental daqueles que se submeterão aos efeitos da coisa julgada que será ali formada. Gravou-se, a esse propósito, que a eficácia subjetiva da vindoura sentença arbitral legitima-se justamente na confiança depositada pelas partes, não apenas na Câmara de arbitragem eleita para dirimir seu litígio, mas, principalmente, nos específicos e determinados árbitros escolhidos em comum acordo para o julgamento da causa posta, aspecto sobre o qual os PAs 93-110 não poderiam subsistir, tampouco atrair a reunião com o PA 186.

Tampouco a condição de assistente litisconsorcial, nos procedimentos arbitrais intentados pelos acionistas minoritários, ora interessados, rejeitada pela companhia (de acordo com a deliberação assemblear, ressalta-se), daria-lhe a possibilidade de participar da escolha da arbitragem, o que se mostra, como assentado, basilar e inerente a toda e qualquer arbitragem.

Em conclusão, declarou-se a competência do Tribunal arbitral do Procedimento arbitral CAM 186/21 para conhecer e julgar a ação social de responsabilidade dos administradores, ex-administradores e controladores, a ensejar, por consequência, a extinção dos Procedimentos Procedimentos Arbitrais CAM 93-110.